Após juntar forças para sair da cama, ela veste o uniforme escolar e respira fundo. Com dificuldade, a adolescente de 13 anos estuprada por 11 homens em um baile funk no Morro do Carvão, em Itaguaí, tenta retomar a rotina.
Após o crime, ocorrido há 25 dias, uma série de acontecimentos contribuiu para amplificar a dor da violência sexual. Os abusadores gravaram vídeos e os distribuíram pelas redes sociais.
Quando a vítima, ainda traumatizada, voltou a estudar, descobriu que os colegas de turma tinham assistido às imagens e um deles exibiu o filme na tela do celular, no primeiro dia de aula. Alguns riram. Agora, com acompanhamento de uma psicóloga e de uma assistente social, ela tenta seguir adiante.
A história fala sobre a falta de uma rede de proteção para assistência a vítimas de violência sexual, em especial, crianças e adolescentes. Enquanto ela enfrenta dificuldades para retomar a rotina, a Polícia Civil já prendeu quatro suspeitos de envolvimento no estupro coletivo. Ontem, foram capturados Marcelo Mendes Moreira, de 31 anos, Higor Teixeira da Silva, de 22, e Nielson Correa Miguel, de 28. Esse último, conhecido como Sheik, é apontado por investigadores como gerente do tráfico no Morro do Carvão. Um quarto acusado já havia sido detido, na quarta-feira. Trata-se de Jorge Luis Peres, que aparece em um dos vídeos.
Descrita por colegas no Facebook como “a quietinha da turma”, a adolescente contou na 50 ª DP (Itaguaí) que, na segunda-feira de carnaval, aproveitou que os pais não estavam em casa e foi até o Morro do Carvão porque tinha curiosidade de conhecer o baile funk do Morro do Carvão. Ao perceber a ausência da filha, os pais saíram para procurá-la e a encontraram na favela.
— Ela fugiu de casa para ir ao baile. Descobrimos onde estava e fomos até lá. Nossa filha estava do lado de fora da festa quando chegamos. Uma boa alma já tinha dado uma roupa a ela e a tirado do baile — lembra o pai, que é funcionário público, que dali a levou diretamente para o hospital. — Ela estava muito abalada, mas não sabíamos exatamente o que tinha acontecido. Num primeiro momento, pensamos em não registrar o caso. Mas, com a repercussão, uma assistente social nos aconselhou a procurar a delegacia.
Em depoimento à polícia, a adolescente disse que foi levada à força até onde estaria o gerente do tráfico, para ser violentada, numa casa no interior da favela. No banheiro, pelas contas dela, havia 11 homens, provavelmente traficantes.
— A menina contou que um homem lhe deu uma gravata e avisou que Sheik queria falar com ela — afirmou o delegado titular de Itaguaí, Marcos Santana.
Três vídeos circularam nas redes sociais. Dois mostram a adolescente durante a festa, já embriagada, e, em um deles, um rapaz arranca a roupa da menina, deixando-a completamente nua. O terceiro mostra a vítima já no banheiro, e registra o momento em que Jorge Luis segura a estudante pelo cabelo e puxa a cabeça dela para prática sexual.
Dois dias depois do crime, os vídeos começaram a ser compartilhados por colegas da adolescente. Começou, então, um novo sofrimento. Só, então, com a divulgação das imagens, a família procurou a delegacia.
— A vítima informou que havia muitos homens dentro do banheiro, que seriam 11. O vídeo mostra cinco. Ela não sabe precisar por quanto tempo foi abusada —observa o delegado.
A adolescente se isolou em casa. Abandonou a escola e as aulas de balé, e parou de ver as amigas. Apenas há duas semanas, incentivada pelo pai, aceitou retomar os estudos.
— A volta não foi fácil. Ela sofreu bullying. Agora, os amigos já a abraçam. Uma orientadora chegou a sugerir uma troca de escola. Mas nós somos daqui, moramos aqui, e vamos continuar aqui — afirma o pai.
Ainda abalada, a mãe da adolescente está afastada do trabalho. O pai tirou alguns dias de licença. Os dois irmãos, mais velhos, também se mobilizaram para ajudá-la. Na saída da escola, ontem, estudantes, abraçados à menina, evitavam falar sobre o caso, que mobilizou o município da Região Metropolitana.
— A cidade inteira sofre muito com isso — disse uma amiga.
A Polícia Civil trabalha para identificar outros suspeitos envolvidos no crime. Os quatro já capturados serão indiciados por estupro coletivo e pelo compartilhamento das imagens nas redes sociais. Segundo o delegado Marcos Santana, eles ainda podem ser enquadrados no Artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece pena de até seis anos de prisão para quem disponibiliza material pornográfico com menores de idade.
Os casos de estupro no Estado do Rio aumentaram 5% nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, na comparação com o mesmo período de 2018. Foram 899 ocorrências, o que corresponde a uma média de 15 crimes por dia. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 10% das tentativas ou casos de estupros consumados são reportados à polícia no Brasil.
Fonte: G1